A simbólica data de 07 de setembro é utilizada para representar a famosa “ruptura” política da colônia, representada pelo Brasil, em relação à metrópole, Portugal. A partir desse marco histórico, houve uma tentativa do estado brasileiro em criar no imaginário social brasileiro, um sentimento de liberdade e autonomia, enquanto sujeitos pertencentes a uma nova nação.  A bem da verdade, foi apenas em julho de 1823 que as tropas portuguesas deixaram em definitivo o Brasil, depois de muitas lutas pelo interior do País, sendo o Maranhão, o último estado a aderir à independência no dia 28 de julho daquele ano, deixando de ser um Estado Colonial de Portugal para se constituir em Província do Império do Brasil.

Um ponto que precisa ser analisado é que a representação da imagem da independência está firmada na figura masculina, branca e rica. O que nos faz refletir sobre quem ou quais grupos governavam o Brasil antes do famoso 07 de setembro de 1822 e quem passou a governar após a independência. Após 200 anos do grito do Ipiranga, a representação das elites políticas e econômicas brasileiras, não mudou de perfil, permanece a mesma. Perpetua-se no País, a baixa representatividade de negros e mulheres no senado e câmara federal. As estatísticas apontam que nos três poderes da República, homens brancos exercem com muito conforto o exercício dos postos de gestão.

Na Câmara, dos 513 assentos, 436 são ocupados por homens e 77 por mulheres. Quando analisamos a composição étnico-racial de deputados e deputadas federais eleitos(as) para a 56ª legislatura, 125 autodeclaram-se negros (104 pardos e 21 pretos), o que corresponde a 24,3% do total. Os brancos chegam a 75%. Os dados são da Agência Senado e se referem ao ano de 2021.

Por outro lado, se analisarmos os números de mortos pela Covid-19 haverá um predomínio de óbitos entre a população negra. Os resultados foram apontados pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da PUC-Rio e outro do Instituto Pólis, em dois estudos no ano de 2021. O primeiro estudo apontou que entre os mortos 55% eram negros, sendo a proporção de brancos de 38%. Os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, apontaram que pessoas que moram em áreas mais vulneráveis têm 23% mais chances de contrair a doença, 32% mais chances de vir a óbito e 29% menos chances de ser testadas. Esses números se aproximam também da realidade brasileira.

Para além das análises acima, também é importante pensar o papel da data, a partir dos contornos que ela pode representar no Brasil de 2022. A onda de violência política que vem se processando no país, de modo especial, a partir de 2018, encontra eco em discursos fascistas, coroados por ações racistas, lgbtfóbicas, misóginas, classistas e capacitistas.

O Brasil de 2022, enfrenta um quadro de retrocessos nos parâmetros civilizatórios, abrangendo setores da economia, da política e de comportamentos, sem precedentes no contexto da história recente. Além dessas questões, é preciso tencionar algumas questões importantes para entender a história do nosso país nos últimos dois séculos, a primeira questão é: independência para quem? Em qual ambiente foi forjada essa tão emblemática independência? Houve realmente uma independência?

O mito da independência, criado pela versão oficial e vitoriosa do 7 de setembro de 1822, onde Dom Pedro I, nas margens do Ipiranga, do alto de seu cavalo, aos gritos bradou: “Independência ou Morte”, precisa ser constantemente analisada a partir de uma leitura crítica do que era a sociedade brasileira e como o “Grito do Ipiranga”, reverberou de fato no cotidiano da população pobre da nova nação.

Como podemos como pensar esse processo dentro da lógica de independência, se o poder político ilimitado continuaria nas mãos de uma mesma família, que permaneceria ditando o destino do povo brasileiro, mantendo privilégios, consolidando desigualdades e garantindo a subserviência do novo Estado ao estrangeiro?

A verdade é que nestes quase 200 anos de independência, não percebemos mudanças estruturais no cenário social do Brasil, muito pelo contrário, as desigualdades tomaram formatos mais sofisticados e cruéis. Há uma nítida compreensão de que essa “emancipação” do domínio da Europa em 1822, foi criada através da versão histórica vinculando a “liberdade, liberdade”, através dos esforços de homens, brancos, nobres e sem nenhuma participação do povo, ou seja, sem negros, sem indígenas e sem mulheres.

Urge ressignificar a data. Se faz necessários pensar um processo verdadeiro de independência, criar uma cultura de um país mais igualitário, sem qualquer tipo de discriminação, e com parâmetros civilizatórios consolidados através e com a participação efetiva do povo, tendo como protagonista o povo pobre, preto, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e LGBTs. Muito ainda há que ser feito, mas somente o povo, pelo povo e para o povo em sua diversidade podemos pensar em uma independência real.

Autores:

Valdenia Guimarães e Silva Menegon – Presidenta de Honra do Instituto Valdenia Menegon; Dra em História UNISINOS;

Wagner da Silva Campos – Diretor Fiscal; Professor.

REFERÊNCIAS

FIOCRUZ. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Negros são os que mais morrem por Covid-19 e os que menos recebem vacinas no Brasil. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/podcast/negros-sao-os-que-mais-morrem-por-covid-19-e-os-que-menos-recebem-vacinas-no-brasil. Acesso em 30 de julho de 2022.

SENADO FEDERAL. Brancos dominam representação política, aponta grupo de trabalho. Senado Notícias. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/11/26/brancos-dominam-representacao-politica-aponta-grupo-de-trabalho. Acesso em 30 de julho de 2022.

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