Essa eleição, como todas as outras, têm dinâmicas específicas do cenário político partidário brasileiro. Os grandes partidos dominam os vários campos de disputa, a distribuição desigual dos recursos de financiamento das campanhas direcionam o destino do país para um pequeno grupo de líderes partidários, os chamados “caciques” dos partidos, nada de novo para a velha política brasileira. Isso nos faz refletir sobre questões como representatividade dos grupos minorizados (mulheres, povo preto, lgbt etc), e como não conseguimos estabelecer mecanismos para que essa participação se torne efetiva e consolidada, continuamos no dilema da sub-representação. Neste contexto de polarização política e o período de campanha eleitoral criam um cenário que toda e qualquer manifestação das candidaturas e, principalmente, candidatos/as à presidência, viram notícia. O debate que aconteceu no domingo 28/08 na TV Band foi um exemplo do que é o “show de horrores” que vivemos em 2022 no Brasil. Promessas infundadas, acusações sem provas, agressões verbais para câmeras e por trás delas.

Enquanto o debate formal acontecia, candidatos que estavam nos bastidores entraram em guerra e quase chegaram às vias de fato, em um truculento modo de fazer a velha política, apelando para a violência, xingamentos, deixando de lado as questões que verdadeiramente devem ser discutidas. Pautas sérias deixaram de ser discutidas em um dos momentos em que eleitores e eleitoras buscavam conhecer as possíveis escolhas para o exercício da presidência pelos próximos quatro anos.

Mas, para além da polarização política, precisamos falar sobre a ausência da discussão sobre as questões étnicos raciais. Não apenas no debate, mas nas entrevistas feitas até agora com os principais presidenciáveis ocorridas no principal telejornal da televisão brasileira, a questão racial não foi verdadeiramente tratada. O desinteresse da grande mídia brasileira acerca do tema, é um espelho refletindo como a questão racial no Brasil é negligenciada. Somos mais 50% da população, mulheres negras são o maior grupo demográfico, representando inclusive o maior eleitorado. Por que, então, ficamos de fora do debate?

Nenhum candidato ou candidata negra, nenhum jornalista negro para fazer os questionamentos aos presidenciáveis, nenhuma pergunta sobre a permanência da estrutura racial, chacinas, racismo religioso, revisão da lei de cotas. A pauta indígena totalmente esquecida, nada sobre marco temporal. Esquecem que a preservação da Amazônia passa pela preservação das vidas que as protege, em grande medida, vidas indígenas.  Não se falou de toda a violência que atravessa a vida da população preta e periférica. Candidatos como Leonardo Pericles Viera da Unidade Popular, homem preto, pobre e trabalhador da periferia sequer foi convidado para participar do debate. Tudo isso mostra muito da estrutura racializada da nossa sociedade.

Quando negros e negras são barrados em debates, quando suas vozes não são escutadas, isso também é racismo. Quando a pauta racial não é colocada, as demandas do povo preto, indígenas, quilombola, periférico, fica de lado. É preciso um olhar mais profundo sobre como o racismo se manifesta a partir das ausências e no modo como a população negra e indígena são excluídas dos espaços de poder.

É urgente que as questões raciais sejam pautadas. Que temos um candidato preparado é fato. Quem é do campo progressista já o escolheu por uma questão de enfrentamento ao mal maior, mas isso não pode ser justificativa para nos calarmos diante da negligência arquitetada pelo grande capital branco para excluir pessoas negras e indígenas dos espaços de poder. Ali, também é lugar de fala preta e indígena.

Estamos no momento que especialistas chamam de retomada da economia, com muitas aspas, no fim da pandemia. Uma pandemia que acirrou ainda mais as desigualdades sociais, onde a população brasileira que vive com um salário mínimo perdeu o poder de compra, então, é relevante trazer essas pessoas para o debate político e não somente como usuários dos programas de transferência de renda, mas sim, como agentes de transformação e como propositores de políticas públicas.

Nós também sabemos que essa população, em sua maioria, tem cor e que tem propostas para apresentar. Essa população possui respostas à altura para apresentar, debater e também questionar. Não pedimos muito, apenas que as nossas vozes sejam ouvidas, quando falamos, não nos dirigimos somente a nós mesmos, ou apenas para nós mesmos. No geral, falamos por nós, mas incluímos indígenas, LGBTQIAP+, pessoas com deficiências, mulheres e tantos outros grupos marginalizados da nossa sociedade.

O que nos chocou no debate da noite de domingo foi a facilidade com que a supremacia branca põe no debate pautas que dizem respeito, em sua maioria, ao seu próprio projeto de dominação. Esquecendo, propositalmente, a maioria da população desse país: pretos, pardos e indígenas.

É importante estabelecer linhas de diálogos e análises que reflitam sobre a falta de representação nos dois campos em disputa, para que assim consigamos fazer mudanças significativas e honestas, para que possamos avançar em mudanças estruturais e significativas de representação partidária, pois as pautas dessas populações, que por tempos tomaram a discussão pública, hoje, por conta de uma política direcionada por homens brancos, heterossexuais e detentores do poder econômico, foram esvaziadas e relegadas ao segundo plano de decisões e representação.

A permanência dos traços de colonialidade presentes na grande mídia brasileira reflete o projeto de domínio impetrado pelo berço nórdico referido por Cheik Anta Diop ao tratar sobre como o ocidente branco, com seu poderio militar, tecnológico, impetrou seu domínio sobre um continente inteiro. Fala-se tanto em democracia, mas “esquecem” que um projeto democrático se constrói a partir das diferenças e da pluralidade. Um projeto sem escuta do povo negro e indígena, não é projeto de democracia. Fiquemos atentas e atentos, porque o projeto hegemônico é forte e tende a nos paralisar.

Valdenia Guimarães e Silva Menegon – Presidenta de Honra do Instituto Valdenia Menegon; Dra em História;

Iasmin Talita Abreu Barros – Coordenadora de Comunicação; Assistente Social.

Wagner da Silva Campos – Diretor Financeiro.

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