Primeira informação a nosso respeito: Somos Pretas e Abusadas. Nossa referência é Tereza de Benguela: Rainha Preta e Poderosa, Presidenta do Conselho Gestor do Quaritererê. Vale demarcar que a inspiração em Tereza tem motivação e justificativa: Quaritererê não caiu em função da falta de gestão. Caiu porque os capitães do mato inconformados com a liderança de uma mulher preferiram entregá-lo, em traição, aos caçadores de recompensa da época: os bandeirantes. Como Tereza, não fugimos a luta. Como Djanira, minha avó usamos a percepção de mulher preta para criar estratégias de sobrevivência e vivências. Nunca fomos mulheres de ser contida. Contenção soa como tentativa de silenciamento e dizer, escrever, replicar e multiplicar a palavra é nossa maior conquista. Todas as que sabemos e todas as que precisamos aprender para nos esparramar por um mundo que não nos queria afrontando, causando, transbordando, inspirando e sendo inspirada por outras iguais. O prazer de rir, gargalhada escandalosa obriga o interlocutor/a prestar atenção, se concentrar, buscar saber de que ou porque estamos desafiando ao estabelecido, e gargalhando, quando a norma ratifica que mulher educada sorri.  Não gargalha escandalosamente.

Depois que nos encontramos em um abayomi que os leigos chamam de coincidência, nunca mais nos deixamos. Sempre estamos nos apoiando, cuidando, acolhendo. Não reconhecemos mais a solidão nos espaços como nossa amiga íntima: temos uma à outra e compartilhamos nossa afetividade com outras e outros. Trocamos a melancolia pela resistência e nos lembramos da altivez de Ivone Lara ao ecoar “foram me chamar eu estou aqui o que é que há?”. Não calamos: replicamos. Não andamos mais sós para não nos perdermos no caminho. Nossos sonhos são alimentados, nutridos pela ousadia. Ousamos sonhar com um país onde o conhecimento seja passaporte para escolhas.

Nossa figura causava estranheza e nos beneficiamos disto: não estamos aqui para servir. Estamos aqui para compartilhar: conhecimento, saberes e sabores. Não vamos nos apequenar para caber: os lugares que fiquem maiores para caber todas as pessoas. Não é questão de semântica: é questão de justiça. Não ficaremos menor para estar em espaços que não nos merecem. Para nós o único padrão que vale é o que aquele que ratifica a confiança em que a revolução é preta e periférica. Repetimos roupas, relemos livros e até amores se sentir que valham a pena.

Exercemos  as múltiplas identidades em espaços que se espantam e desconfortam em não nos ver subalternizarmos e assujeitarmos em papéis  temos interesse. Já fomos chamadas de “metidas”, de soberbas, arrogantes. A qualquer mulher branca os atributos que exercemos para praticar o direito a felicidade seriam considerados qualidades desejadas: assertividade, autoestima elevada, um profundo amor por pessoas e aguerrida vontade de lutar sempre que a ocasião pede.

A coragem foi parida na necessidade do compromisso com os emudecidos pela cor da sua pele e condição social. Queremos ser referência para que outras meninas pretas não se apequenem para caber. Em relações, trabalhos, amores e afetos que não valem o risco de suas vivências. Nosso combustível é o amor. A medida a intensidade.

O Grupo de Pesquisa Ativista Audre Lorde tem nova liderança: Valdenia Menegon chega para se somar a minha indisciplina, transgressão. Traz a diplomacia, a vontade aguerrida, o desejo de conquistar espaços para entregá-los em confiança a quem sempre esteve invisível.

Axé. Amor. Aquilombamento. Bem-vinda!

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