ENVIADO POR / FONTE

Valdenia Menegon

19/12/2023

Discurso de posse Instituto Histórico e Geográfico de Caxias - MA

Boa noite a todas as pessoas.

Inicialmente, eu gostaria de fazer minha autodescrição para as pessoas que não podem me ver. Eu sou uma mulher negra, tenho cabelos crespos na altura do ombro, hoje, eu o uso com três tranças nagô na lateral. Uso um batom rosa, um óculos estilo gatinho, em tons de animal print. Um brinco redondo em tom dourado. Uso um vestido branco, em mangas tipo japonesa, uso, também, a medalha do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, com muita honra, e uma sandália em tons dourado e prata. 

Ilustríssima senhora Presidenta do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, no Maranhão, Professora Antonia Miramar Almada Lima, minha querida amiga e minha queridíssima amiga Maria Bertolina Costa – vice-presidenta, em nome de quem saúdo meus pares nesta Casa; cumprimentos às demais pessoas presentes nesta reunião solene em nome do meu marido e companheiro de vida e eternidade, Moacir José Menegon (nesta noite, meu padrinho). Não poderia deixar de agradecer às pessoas que me acompanham, não apenas nesta noite, mas nos movimentos que empreendemos, de modo especial, Lígia Emanuela e Quezia Dourado (que também é minha filha) e que compõem o Instituto que leva meu nome. Agradeço ainda aos familiares aqui presentes (Carlito, meu irmão, Kézia, minha cunhada, Suely, minha irmã, Júlia e Tayane, minha filhas, minha nora Rita), que neste ato representam todos aqueles que não puderam comparecer a essa solenidade. Agradecer minha amiga, Fausta, que me acompanha em longas datas. Dizer da minha grata surpresa em ter aqui comigo esta noite, minha querida e estimada amiga/irmã, Liana Coutinho, que veio direto de Portugal me acompanhar aqui nesta noite. Cumprimentar minhas amigas D. Cida e D. Iran, pessoas por quem tenho profundo respeito. Minha amiga Patrícia.

Eu gostaria de externar minha gratidão à Assembleia Geral deste Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, fundado em 2003 através dos esforços do saudoso e ilustre jurista e professor caxiense, Dr. Arthur Almada Lima Filho, em parceria com outros entusiastas e defensores da cultura, da preservação da história e da memória, que me escolheu para o quadro de Sócios Efetivos, com assunção na cadeira n° 06, cujo Patrono é Monsenhor Arias Benedito de Almeida Cruz, tendo como primeiro ocupante o senhor Manoel Rodrigues Bezerra Filho.

Dizer que é uma honra imensurável passar a integrar os quadros da tão nobre Casa, ao lado de pessoas tão ilustres do nosso território, o que não é tão fácil, sendo eu uma mulher negra, oriunda da zona rural deste município, tendo concluído as primeiras séries em salas multisseriadas. 

Ocupar a cadeira, cujo patrono é o caxiense Monsenhor Arias Benedito de Almeida Cruz, ao mesmo tempo que é um desafio, também me conforta, haja visto ter sido ele, uma personalidade ligada à educação (professor – lecionou, inclusive, História, área tanto da minha licenciatura quanto do meu Doutorado – e gestor em instituições educacionais assim como eu, que atualmente exerço a função de gestora pedagógica em uma escola de ensino médio).

A figura de monsenhor Arias Benedito de Almeida Cruz está, irremediavelmente, ligada às suas escolhas religiosas. Ainda na adolescência, demonstrou sua vocação, tendo ingressado no seminário Santo Antônio, na capital do estado, São Luís. A conclusão dos estudos se deu em Teresina, no Piauí. Ordenou-se padre aos 24 anos e celebrou sua primeira missa aqui em Caxias.  

A vida de Monsenhor Arias Benedito de Almeida Cruz também está inegavelmente ligada à manutenção da história e da memória do povo maranhense, através da sua atuação não apenas no seleto grupo de intelectuais que edificaram o Instituto Histórico e Geográfico Maranhense, mas pelo seu papel na imprensa, enquanto jornalista, tendo artigos e conferências publicados em jornais da capital e em periódicos de outros estados, além do trabalho no jornal O Cruzeiro. Os principais temas debatidos por eles, pertenciam à seara da educação, história, trabalho, questões agrárias, entre outros.

Em meio à pesquisa sobre Monsenhor Arias, me deparei com um artigo seu, publicado no Jornal O Cruzeiro, datado de 1949, no qual o assunto tratava sobre o avanço do que ele denominava de “macumba” e no qual ele destaca a figura de Zé Bruno. Em um trecho do artigo, ele afirma: “ZÉbruno é aquilo. Exatamente aquilo. Nem mais e nem menos é, também, aquilo um novo Canudos que, talvez, se prepara, no coração mesmo do município que tem por capitânea a segunda cidade do Estado”. Em seguida, ele conclama às autoridades que varra do território caxiense aquele tipo de manifestação.

Nesse sentido, ao tempo em que percebo similitudes entre nós, também observo enormes diferenças, seja de tempo histórico, seja ainda pelo nosso modo de ser e de viver no mundo e nos mecanismos que utilizamos diante da sociedade e para a sociedade. É impensável, não destacar que o jornal o Cruzeiro (o principal periódico em que atuou), se tornou à época, o principal veículo de disseminação de discursos ligados ao catolicismo e, cujo principal objetivo era o estabelecimento de regras a serem seguidas pela sociedade local, de acordo com os preceitos da elite hegemônica da época.

Monsenhor Arias Benedito de Almeida Cruz teve um relevante papel no que diz respeito à manutenção das memórias do povo maranhense ao acreditar que entidades como esta Casa, possa manter a história viva e em permanente estado de pesquisa e elaboração de narrativas, cujos objetivos, se entrelaçaram, imagino eu, com sua crença e sua religiosidade. Ao papel que lhe cabia, ele soube exercer com maestria.

Por outro lado, também me é desafiador ocupar a cadeira n. 06, já que esta foi ocupada pela primeira vez pelo senhor Manoel Rodrigues Bezerra Filho, ilustre poeta caxiense, formado em letras e em Gestão de Pequenas e Médias Empresas, entusiasta da cultura, sendo uma das pessoas a contribuir com a criação da Secretaria Municipal de Cultura. Um grande feito para o Município de Caxias. 

Enquanto funcionário público, exerceu diversos cargos em vários órgão da administração pública local. Em 2003, foi aclamado Sócio Efetivo fundador desta Casa, em reconhecimento aos relevantes serviços que tem realizado em prol da cultura caxiense. Ao senhor Manoel Bezerra, meu profundo respeito e a partilha de amor por esta cidade.

Ocupar essa cadeira também é um desafio, já que, enquanto ativista do Movimento Negro, de modo especial do movimento de mulheres negras na política institucional, ocupar uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, também significa ampliar a luta para que mais mulheres como eu e com outras representatividades, possam a ocupar espaços como esse. A mim, não me é interessante seguir sem os meus e as minhas. 

Sou uma mulher que segue a perspectiva do quilombo, essa instituição que se estruturou no Brasil contra a escravidão, mas que ganhou contornos e configurações outras ao longo do processo histórico. O quilombo, hoje, mais do que os territórios ocupados por negros e negras, também se forja na luta empreendida pelos movimentos sociais, estando presente nas escolas de samba, nos terreiros de Umbanda, Candomblé e terecô, nas associações de moradores, nas rodas de capoeiras e em tantos outros espaços onde negros e negras se reúnem para pensar uma sociedade melhor.

Os estudos que temos empreendidos nos últimos anos têm servido para nos apontar que aprendemos uma história escrita por mãos brancas que, em grande medida, não retratam nossa forma de ser e de viver no mundo. A história tratou de tentar nos calar, de esquecer nossas lideranças, empreendendo um verdadeiro epistemicídio não apenas do povo negro, mas também dos povos originários. No entanto, é necessário reafirmar aqui, como bem diz dona Conceição Evaristo, “eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

Que a cadeira ora ocupada por mim, sirva também para contribuir no levantamento dessa história que foi esquecida e desvalorizada. Precisamos fazer o retorno, no sentido que nos aponta o Sankofa, símbolo adrinkra –  que faz parte do sistema de escrita pictográfica e de ideias comprometidas com a preservação e transmissão de valores fundamentais entre o povo Ashanti, atualmente localizados, principalmente nos países de Gana, Burkina Faso e Togo, na África Ocidental representado por um pássaro de duas cabeças – uma que aponta para o passado e uma direcionada ao futuro – para nos informar que para pensarmos esse futuro que é ancestral, é necessário olhar o passado e analisar o presente.  

“É preciso voltar e pegar”. Segurar nas mãos uns dos outros e na memória e história do nosso povo e construir o amanhã. Como afirmava Nêgo Bispo, o maior pensador contemporâneo, que partiu para o Orum no último dia 03 de dezembro: “nós somos começo, meio e começo”, porque nosso tempo é cíclico e eu só morro se vocês deixarem minha palavra morrer. Segundo ele: “Você é a pessoa que eu mais confio na nossa comunidade, mas você tem que assumir o compromisso de que você vai ensinar tudo o que eu lhe ensinei para quem precisar. E enquanto você ou alguém que aprendeu com você está ensinando, passando para frente o nosso conhecimento, eu estarei vivo, mesmo enterrado. Mas se você deixar de ensinar o que eu lhe ensinei, eu estarei enterrado, mesmo que esteja vivo. A minha vida está nas suas mãos. Você agora é responsável pelo meu viver”.

Gratidão. Axé!

Discurso de posse da professora Dra. Valdenia Menegon para o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias-MA.

plugins premium WordPress