Ilustração: Caio Formiga

A violência contra as mulheres é um problema estrutural da sociedade que possui centralidade na raça e que se pauta também nas questões de classe e gênero, bem como em outras variáveis. A compreensão da centralidade na raça está no fato de a violência contra as mulheres possui um forte marcador racial, já que mulheres negras são as mais afetadas pela violência de gênero.

O aumento no risco da efetivação da violência baseada no gênero encontra eco na interação entre as variáveis de gênero, classe e raça, intensificada por clivagens como deficiência e geração, no entanto, a base racial potencializa a violência que tem atingido de forma mais letal, mulheres negras. De acordo com dados do Disque 180, as mulheres negras representam 58% das ligações à Central de Atendimento à Mulher.

Já os dados do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), enfatizam que mulheres negras também são as mais afetadas pela mortalidade materna (56%) e pela violência obstétrica (65%). De acordo com Nah Dove (1998), “a opressão racista/supremacia branca para mulheres, homens e crianças Africanos tem precedência sobre e afeta a natureza das opressões de gênero e de classe”.

Embora as questões de gênero, sejam extremamente relevantes para a compreensão da violência sofrida pelas mulheres e que todas as mulheres estejam sujeitas a sofrer agressão por sua condição feminina, cujo alicerce é o patriarcado, mulheres negras compõem o grupo mais vulnerável à violência tanto por sua condição socioeconômica, mas, sobretudo pela opressão racial. Lembrando para as mulheristas africanas, o patriarcado ocidental, afeta, mesmo que de maneira diferentes, as mulheres e os homens africanos.

Se nós olharmos a série histórica do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016-2019), observaremos que houve uma ampliação do número de assassinatos de mulheres pela sua condição feminina. A legislação brasileira reconhece este tipo de crime como feminicídio, isto é: “morte causada contra a mulher por razões de condição do sexo feminino” (Lei n. 13.104/2015). A mesma tendência também é acompanhada pelo Mapa da Violência (2015-2019), sendo o ano de 2017, o que mais registrou casos de feminicídio, em um total de 13 por dia.

Foram 4.936 mulheres mortas pelo simples fato de serem mulheres. O maior número desde 2007.  Além do patriarcado esta realidade apresenta ainda a face nefasta do racismo. 61% das mulheres assassinadas eram negras, mortas no geral por companheiros ou ex-companheiros. Mulheres negras, portanto, sofrem múltiplas violências, agregando pressões do racismo, do sexismo, da misoginia e das condições socioeconômicas, além de variáveis como deficiência e geração.

Isto significa dizer que o patriarcado não explica, por si só a violência contra as mulheres, pois, alicerçada no racismo, a sociedade muitas vezes não percebe as diferentes realidades enfrentadas pelo conjunto diverso das mulheres.
Por outro lado, um estado que nega o racismo, acaba por contribuir com a permanência de sua estrutura, ao não elaborar políticas públicas que considere a variável raça.

Precisamos intensificar esta discussão e utilizar os números para implantar políticas públicas que deem conta de enfrentar não apenas a violência de gênero, mas o racismo e a pobreza que alicerçam nossa sociedade. De acordo com a cada 3 horas uma mulher foi vítima de feminicídio entre janeiro e outubro de 2020 em 14 países da América Latina. No Brasil 631 morreram em 2020 apenas por serem mulheres.

Os índices de feminicídio no Brasil tiveram um aumento de 22,2% em 2020. No Brasil, 73% das mulheres vítimas de homicídios são negras. Além disto, as estatísticas também apontam que permanece a subnotificação e ausência de dados sobre raça, orientação sexual e identidade de gênero em muitos dos casos de denúncia de violência de gênero.

Foi possível verificar uma ampliação no número de casos de feminicídio em todos os estados da federação. O “Relatório Um vírus, duas guerras”, apontou que no Pará, por exemplo, o aumento foi de 100% em relação ao mesmo período de 2019. O levantamento realizado apontou que o feminicídio no estado evoluiu de 5 para 10 casos no segundo bimestre de 2020, um aumento de 100% durante o isolamento social. Se analisado o quadrimestre entre 2019 e 2020, o aumento é de 225%: de 8 para 26 mulheres assassinadas pela sua condição de sexo.

No caso específico do Maranhão, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-MA), registrou 60 casos de feminicídio em 2020. Em 2019, o estado contabilizou 48 casos. Apenas na Grande Ilha de São Luís, o total de registros foi de 12 feminicídios naquele ano. Agosto foi o mês que mais registrou casos, com nove ao total.

O isolamento social necessário para a contenção da Covid-19, agravou a situação das mulheres que já viviam subjugadas pela violência doméstica. Obrigadas a permanecer por mais tempo com seus agressores, muitas vezes em espaços pequenos, estas mulheres sofreram om a ampliação das chances de serem agredidas. O lar deixou de ser um espaço seguro e acolhedor e passou a ser sinônimo de violência e insegurança.

Ilustração:  Caio Formiga

Referências

Colabora. Confinadas com companheiros, mulheres não conseguem denunciar agressões. https://projetocolabora.com.br/ods5/confinadas-com-companheiros-mulheres-nao-conseguem-denunciar-agressoes/. Acesso em 18 de janeiro de 2020.

Colabora. No Pará, crime de feminicídio teve aumento de 100% na pandemia. Disponível em:

https://projetocolabora.com.br/ods5/no-para-crime-de-feminicidio-teve-aumento-de-100-na-pandemia/. Acesso em 18 de janeiro de 2020.

DOVE, Nah. Mulherisma africana: uma teoria afrocêntrica. Jornal de Estudos Negros, Vol. 28, № 5, maio de 1998p. 515-539. Disponível em https://estahorareall.files.wordpress.com/2015/11/mulherisma-africana-uma-teoria-afrocecc82ntrica-nah-dove.pdf. Acesso em 09 de setembro de 2020.

G1. Maranhão registrou 60 casos de feminicídio em 2020. Disponível em:  https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2021/01/05/maranhao-registrou-60-casos-de-feminicidio-em-2020.ghtml. Acesso em 16 de janeiro de 2020.

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