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Valdenia Menegon

04/08/2023

Juventudes em contexto de mudança de época

O presente ensaio é resultado de uma provocação feita pela Assessoria Diocesana da Pastoral da Juventude ligada à diocese de Caxias, no Maranhão. Digo provocação, haja vista que, a convite desse órgão tão relevante para a organização da juventude católica, me provocou as memórias de tempos em que participei ativamente de encontros liderados por jovens católicos, e foi através de uma escola de formação política para lideranças que obtive conhecimentos sobre o “funcionamento” da sociedade. Talvez esse espaço tenha representado mais importância para mim em muitos aspectos do que a universidade o foi – sem desmerecer, evidentemente. Recordo dos tempos em que ficava em retiro no espaço do Centro de Treinamento João Paulo II, no intuito de aprender sobre conteúdos relativos à organização dos movimentos sociais e populares. Confesso que o momento saudosista me trouxe algumas lágrimas. De modo especial, porque investir na infância e na juventude ainda é uma ferramenta absolutamente necessária para a construção de uma sociedade melhor.

O desafio que me foi dado foi o de conversar com cerca de cinquenta jovens entre 16 e 26 anos, lideranças da Pastoral da Juventude, participantes da ESCOLA DE FORMAÇÃO PARA COORDENADORES E ASSESSORES PAROQUIAIS (EFOCAP). Apesar de não me fazer mais tão próxima desse espaço, a motivação que me levou ao aceite, deu-se pelo fato de que sentar com jovens, que se propõem a servir de instrumentos para o enfrentamento à pobreza e estimular o protagonismo de outros jovens é razão suficiente para me fazer presente e, de alguma forma, contribuir.

Desse modo, procuraremos trabalhar aqui, de forma breve, sobre as definições sobre geração, intercalando com conteúdos relativos à juventudes e relações com o espaço escolar e acadêmico, relações de trabalho, os impactos das relações das juventudes com a internet e as redes sociais, percepções dos e das jovens sobre Política no Brasil, relações familiares e afetivo-amorosas e, por fim, analisar os impactos da pandemia de Covid-19 na vida dos jovens e desafios pós-pandemia (ufa. Rsrs). Um objetivo que se constitui apenas em um esforço de fazer com que as questões aqui levantadas sejam, posteriormente trabalhadas com maior profundidade.

Para iniciar a construção da nossa discussão, é relevante destacar que juventude, enquanto conceito, se constituiu como categoria social e que foi um longo caminho percorrido para que jovens fossem reconhecidos como sujeitos de direitos na nossa sociedade, sempre tão afeta à importação de modelos estranhos à nossa cultura e realidade. A chamada geração Z – que engloba pessoas nascidas entre meados da década de 1990 e 2010 e que compreende os primeiros nativos digitais – contempla toda uma gama de diversidade (negros, mulheridades, periféricos, quilombolas, rurais, ribeirinhos, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+) rodeados de desigualdades estruturais de raça, alinhadas às questões de gênero, classe, geração, territórios, entre outras variáveis. De acordo com o Atlas da Juventude (2023), o Brasil possui quase 50 milhões de jovens com idades entre 15 e 29 anos. 

Para a Organização Mundial de Saúde, a juventude engloba as pessoas entre 15 a 24 anos, o que implica dizer que essa definição se alinha aos aspectos físicos dos corpos. A conceituação adota o critério cronológico que tem como finalidade identificar condições relativas à investigação de cunho epidemiológico, bem como, o planejamento de políticas públicas, não considerando características individuais. Isso implica ainda considerar, além de critérios biológicos, características psicológicas e sociais da diversidade de sujeitos jovens. Não podemos esquecer que nossas características são também definidas a partir das relações que mantemos, dos grupos pelos quais passamos ao longo da nossa existência e as diversas experiências que acumulamos ao longo da nossa história.

Em uma perspectiva sociológica/antropológica, “[…] a juventude é identificada em cada sociedade de diferentes formas, sendo que isso depende de cada contexto histórico vivenciado por estas mesmas sociedades” (OLIVEIRA, Raquel Correia de, 2018). Essa lógica é importante porque em tempos de profundas modificações que ocorrem atualmente na nossa sociedade, o que inclui a adoção da Inteligência Artificial, uso irrestritos de redes e mídias sociais, avanço da utilização de notícias falsas, bem como, dos jogos online que permitem comunicação com pessoas em outros territórios em tempo real, é extremamente necessário voltar nossas vidas para o interior, realizar o que as filosofias africanas apontam: fazer o retorno para dentro de nós mesmos e a busca da nossa história e das nossas memórias. 

Isso posto, também é relevante observarmos que, existem, independente do tempo histórico, os conflitos entre gerações, afinal, as pessoas possuem vivências e experiências diferentes. Como vivemos em uma sociedade extremamente violenta, os processos educativos, desde a família, acabam por reproduzir mecanismos que nem sempre são estruturados no diálogo. A escola, por outro lado, costuma reforçar atitudes violentas e preconceituosas. Já é consenso entre alguns pesquisadores de que uma criança negra tem seu primeiro contato com o racismo no espaço escolar.

Seguindo essa perspectiva, também é relevante observar que as transformações acirradas que têm acompanhado nossa sociedade impactam diretamente sobre as relações de trabalho. De acordo com o IBGE (2023), a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos subiu para 18% no 1º trimestre de 2023, um aumento de 1,6 ponto percentual em comparação com o 4º trimestre do ano de 2022. Essa realidade tende a afetar, mais diretamente, jovens negros em situação de pobreza e vivendo em periferias. Fora isso, o mercado de trabalho está cada dia mais dinâmico, exigindo além de conhecimento técnico sobre a área, habilidades socioemocionais que envolvem habilidades intrapessoais, de entendimento pessoal e interpessoal. 

Outro ponto que não podemos deixar de abordar é que jovens negros em situação de pobreza e com baixa escolaridade constituem a maior parcela da população carcerária no Brasil de acordo com Departamento Penitenciário Nacional (2014). O encarceramento em massa, conseguido sobretudo através de políticas públicas de segurança embasadas na chamada “Guerra às drogas”, se torna um instrumento promotor de uma espécie de segregação racial. Seguindo alguns dados, também foi possível aferir que a população jovem negra é a mais afetada pela violência, seja ela através do tráfico ou da violência impetrada pelo Estado. 

O Anuário de Segurança Pública (2022) apontou que entre as crianças e adolescentes vítimas de mortes violentas por faixa etária e raça/cor 66,3% são negras, 31,3% são brancas e 2,4% pertencem a outro na população de 0 a 11 anos. Em relação às crianças e adolescentes de 12 a 17 anos, 83,6% são negras, 15,9% são brancas e 0,5% estão entre outros. 

Outro aspecto que deve ser considerado ao se trabalhar com jovens, diz respeito à população LGBTQIAPN+ e a insegurança de ser uma pessoa jovem que foge às normas de gênero e/ou sexualidade.  Ser uma pessoa jovem LGBTQIAPN+ no Brasil se constitui como um enorme risco: o ano de 2022 registrou ao menos 273 mortes violentas de pessoas LGBTQIAP+. A vulnerabilidade que afeta esse grupo nos coloca como um dos países que mais mata LGBTs no mundo. Matamos mais do que países que condenam a homossexualidade à pena de morte. 

A juventude brasileira também tem sido profundamente impactada pela internet e pelas redes sociais. Apesar disso, o Mapa da Inclusão Digital (2012) aponta que as pessoas negras das regiões periféricas do Brasil representam a maioria absoluta de excluídos: o Maranhão estava entre os estados com maior percentual de pessoas excluídas digitalmente. A exclusão digital é um traço da exclusão social e da estrutura racial do País. A pandemia da Covid-19 revelou a face cruel das desigualdades de renda e escancarou o racismo. Os impactos da pandemia no campo educacional estão sendo aos poucos revelados, com os índices de evasão e abandono sendo apresentados através dos dados oficiais, assim como, através da queda dos índices de aproveitamento escolar. 

  Por fim, é relevante trazer para o debate, as percepções que a juventude tem tido sobre a política no Brasil. Os últimos anos foram marcados pela forte polarização partidária, que distanciou famílias, amigos e colegas de trabalho. O avanço da extrema direita, em todo o mundo, alcançou a sociedade brasileira e o que percebemos foi a disseminação de discursos de ódio e a ampliação da violência, de modo especial, direcionada a grupos específicos (defensores dos direitos humanos, ambientalistas, mulheridades, população negra, LGBTQIAPN+, indígenas, povos de terreiro, quilombolas). Esses eventos tiveram forte influência sobre jovens brasileiros, contribuindo para uma necessidade de compreender como funciona a política e se envolvendo em questões políticas nacionais, principalmente através das redes sociais, esse território também se tornou uma arena onde existe uma forte disputa de narrativas em torno de concepções políticas diferentes e até divergentes. 

Por outro lado, as relações familiares e afetivo-amorosas estão também passando por modificações. É notável que as maneiras de amar e se relacionar com os outros também foram afetadas pelo processo de Globalização que se estruturou nas sociedades capitalistas. Vive-se hoje relações mais fluidas, dotadas também de artifícios como a experimentação e, muitas vezes, pelo sentimento de que se precisa “aparecer” para os amigos, e na internet. Os constantes desafios que são colocados digitalmente carregam camadas muito profundas de uma sociedade adoecida e absolutamente solitária. O quarto tornou-se um dos ambientes mais perigosos para adolescentes e jovens presos em um mundo digital que em muito foge à realidade. 

Com essas diversidades e adversidades, que lideranças jovens costumam lidar em seus grupos e quem às negar estará fadado a um trabalho sem êxito. Para quem busca constituir com seus pares uma civilização do amor, baseada na fraternidade, não se pode esquecer que somos pessoas com vivências, crenças, motivações e corporeidades diferentes, além de habitarmos territórios cujas realidades se diferenciam. O processo de modernização – que em grande medida busca alcançar padrões irreais de corpos e condições socioeconômicas – têm proporcionado a mobilização de jovens, mas poucos conseguem, efetivamente, se organizarem enquanto núcleos para a defesa de seus direitos e para a construção de uma sociedade baseada na solidariedade e na potencialização das pessoas. 

À guisa de uma conclusão inconclusiva, deixo aqui meu desejo de que cada pessoa presente neste encontro possa se encontrar para poder contribuir com sua comunidade em um efetivo exercício de circularidade e de potencialização dos seus. Lembrando que precisamos sempre fazer o exercício do Sankofa: olhar o passado, compreender o presente e projetar o futuro. Grata, sempre. 

 

 

Referências

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Novos dados do sistema prisional reforçam políticas judiciárias do CNJ. Publicado em 20/05/2021. Disponível em:  https://www.cnj.jus.br/novos-dados-do-sistema-prisional-reforcam-politicas-judiciarias-do-cnj/. Acesso em 16 de abril de 2023.

FÓRUM BRASLEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança  Pública 2022. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=5. Acesso em 15 de abril de 2023. 

NERI, Marcelo (Coord). Mapa da Inclusão Digital. RJ: FGV, CPS, 2012. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/20738/Sumario-Executivo-Mapa-da-Inclusao-Digital.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2023.

OLIVEIRA, Raquel Correia de. O processo de construção da juventude como categoria social: notas sobre o reconhecimento dos jovens como sujeitos de direito.  Anais do 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, 02 a 07 de dezembro de 2018. Vitória, ES. Disponível em file:///C:/Users/Usuario/Downloads/ekeys,+O+PROCESSO+DE+CONSTRU%C3%87%C3%83O+DA+JUVENTUDE+COMO.._.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2023. 

 

ACONTECE ARTE E POLÍTICA LGBTI+; ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais); ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).  Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil: Dossiê 2022. Florianópolis: Acontece, ANTRA, ABGLT, 2023.

Disponível em: https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/wp-content/uploads/2023/05/Dossie-de-Mortes-e-Violencias-Contra-LGBTI-no-Brasil-2022-ACONTECE-ANTRA-ABGLT.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2023.

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