O racismo religioso e suas faces

O racismo religioso existe e não se preocupa em esconder suas faces. Um exemplo disso foi o caso que aconteceu com o candomblecista, Fred Nicácio, no programa Big Brother Brasil da rede globo. Fred foi alvo de racismo religioso por parte de outros três participantes, brancos, que relataram sentir “medo” da fé do candomblecista, e que o acusaram de usar sua religião para praticar o “mal” contra eles. 

 

O racismo religioso é um dos principais problemas enfrentados pelas comunidades de matriz africana no Brasil, diferentemente da intolerância religiosa que, por muitas vezes, não abrange os praticantes em geral e sim, na maioria dos casos, a parcela que está ligada de forma direta às práticas que tem sua origem no continente africano. 

 

Sidnei Nogueira traz essa diferença em seu livro “Intolerância Religiosa” da seguinte forma: “A intolerância religiosa possui um olhar mais individualizado e isolado sobre as ações de violências contra a liberdade religiosa de modo geral. Inclusive, nessa compreensão, muitas vezes, a origem étnico-racial dos adeptos da religião não é um fator determinante para a violência”. Portanto, é notável mais uma das manifestações do racismo. 

 

Dessa vez, o racismo religioso que é expressado explicitamente diante das religiões de matriz africana, fruto de uma doutrina colonialista que prega a demonização e desumanização dos corpos negros e práticas religiosas que descendem do continente africano, resulta dos inumeros ataques de ódio e repulsão pelas práticas de terreiro e por todos os elementos que fazem associação a essa cultura. A prática do racismo religioso no Brasil é um fator histórico existente desde quando o primeiro africano sequestrado do seu país de origem pôs os seus pés em solo “brasileiro” e teve suas práticas religiosas vistas como pagãs e “diabólicas” pelos colonizadores europeus, que buscaram deslegitimar e apagar a fé trazida pelos corpos dos negros escravizados. 

 

Reflexo disso são as vastas perseguições sobrepostas sob as religiões de matriz africana, praticadas por outras lideranças religiosas, muitas vezes, cristãs, pelo Estado e pela sociedade em geral, como afirma Mundicarmo Ferretti (2002).

 

Em 1934, quando foi realizado em Recife o primeiro “Congresso Afro-Brasileiro”, era obrigatório o registro dos terreiros na polícia e, como foi denunciado naquele evento,  as  “macumbas”  e  “catimbós”  eram  perseguidas  como  crime  e  anomalia. Embora  essa  obrigatoriedade  tenha  caído  há  mais  tempo  na  Bahia  e  em  outros Estados, no Maranhão vigorou até mais ou menos 1988. Os terreiros de São Luís e de outros Estados eram obrigados a pedir licença à Polícia para realizar suas festas, pois eram cadastrados não como “casas de culto” e sim como “casas de diversão”, não só porque costumam fazer várias festas de santo durante o ano, mas também porque  a  religião  afro-brasileira  não  tem  o  mesmo  “status”  do  catolicismo  e  do protestantismo,  cujos  templos,  certamente,  não  eram cadastrados  na  mesma categoria (FERRETTI, 2002, p. 11)

 

É evidente que a não aceitação das manifestações religiosas afro-brasileiras é fruto do pensamento colonial de inferioridade da população negra diante da branquitude. Essa que, ao longo dos anos, vem inserindo-se cada vez mais nas manifestações religiosas de matriz africana e propagando uma utopia de que alguns desses cultos seriam de origem branca, como o caso da religião Umbanda.

 

Atualmente, um termo racista têm sido bastante discutido entre os umbandistas, “umbanda branca”, que seria uma umbanda mais “pura” tendo em vista que, a umbanda é uma religião afro brasileira e que  toda e qualquer tentativa de embranquecimento dela é uma forma de apagar a luta dos que sangraram para que hoje os adeptos das religiões de matrizes africanas pudessem expressar sua fé e também uma forma de  desqualificação da umbanda que foge dessa linhagem de branquitude e pureza.

 

Conforme Nogueira (2020), o racismo religioso condena a origem, a existência e a relação entre uma crença e sua origem preta. Desse modo, o racismo se manifesta em variadas frentes, afetando aqueles que manifestam sua fé em formato diferente daquela expressão religiosa considerada comum; o Cristianismo. Seguindo a linha de pensamento do professor Sidnei Nogueira, assim, toda e qualquer manifestação cultural e religiosa que está relacionada diretamente ou indiretamente ao povo negro será vista de forma demonizada devido ao processo de egação a tudo que está associado ao ser negro, com o objetivo de apagar a tradição negra. Desse modo, é possível perceber que existe repressão em decorrência do racismo religioso, desde crenças, culturas e valores que fogem dos padrões impostos pela sociedade ocidental e branca.

 

Na atualidade, ainda há uma perspectiva de insatisfação quando um adepto de religião de matriz africana professa sua fé, seja através do uso de uma guia ou qualquer outro adereço referente à sua fé, assim como ocorreu com Fred Nicácio, no programa Big Brother Brasil da rede globo que, de forma escancarada em rede nacional, sofreu racismo religioso. 

De acordo com Silvio Almeida (2018), o racismo é estrutural, comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. Assim, o racismo se apresenta de modo espontâneo (sem que a pessoa tenha consciência efetiva de que está tendo uma atitude racista), com atos ou falas. Exemplo de racismo ocorre quando as pessoas costumam associar algo ruim com “coisa de negro” ou “a coisa está preta”, assim como o famoso: “Chuta que é macumba”.

É comum a associação da Umbanda a algo que não é “do bem”, inclusive, a própria denominação “macumba” é utilizada de forma pejorativa e preconceituosa, incutido na prática o discurso de ódio referente às religiões de matriz africana, afro-brasileira e afro-indígena. Racismo religioso diz respeito às agressões simbólicas, materiais e físicas sofridas por indivíduos ou espaços que pregam filosofias e crenças africanas, afro-brasileiras e afro-indígenas, incluindo falas ou práticas que desconsideram essas religiões afro-brasileiras como religião.

 

A realidade enfrentada pela população não-cristã no País é amedrontadora e violenta, pois as manifestações, sejam de ordem religiosa ou cultural, que afetam os povos de terreiros, representam a manifestação evidente do racismo religioso alicerçada em uma visão conservadora da sociedade brasileira. Sant’Anna (2020) alerta para o fato de que “[…] podemos observar que as religiões de matriz africana, ou afro-brasileiras, tais como a Umbanda e o Candomblé, são as mais atingidas e mais discriminadas cotidianamente, com ataques ferozes das igrejas conhecidas como evangélicas […]”. Em vários espaços religiosos, é ensinado que os atos de fé professados nos terreiros sendo ele de umbanda ou candomblé estão diretamente ligados ao mal, ao pecado, ou seja, são práticas consideradas demoníacas, como já citado que é feito a associação do mal com o negro. 

 

O racismo religioso, de modo infeliz, atualmente é visto e pautado com normalidade, tendo em vista uma grande lacuna temporal pelas faltas de leis que, com penas mais severas pudessem resguardar e assegurar aos adeptos de religiões de matriz africana, afro-brasileira e afro-indígena, caso estes sofressem alguma opressão e/ou violência pelo ato de manifestação de fé. O Racismo constitui ações conscientes e inconscientes por parte de quem pratica o ato racista.

 

As religiões de matrizes africanas são comumente associadas a valores negativos como “religião do sujo”, “religião do diabo” e seus adeptos atacados como “filhos do diabo” para desvalorizarem a sua fé” (C Sant’Anna, 2020). A partir da afirmação acima é perceptível a desvalorização das religiões afrobrasileiras e de matrizes africanas provavelmente pelo domínio que o cristianismo tem no Brasil e também pelos longos anos de discriminação imposta à população negra. Não podemos esquecer que, por longo tempo, era proibida a essa população o direito de manifestar sua fé e, sistematicamente, realizada repressão a essas manifestações da fé. Como mecanismo de resistência, a prática de sincretizar orixás com santos católicos foi fortemente utilizada.

 

Artigo produzido por Fernando Salazar e Eugênio Gabriel Rocha Carvalho

 

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha. Opressão e resistência na religião afro-brasileira. In: Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. São Luís, set., n° 23, 2002.

NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância Religiosa. Pólen Produção Editorial LTDA, 2020.

NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância Religiosa. Pólen Produção Editorial LTDA, 2020. Pg 83.

SANT’ANNA, Cristiano; DA SILVA, Isadora Souza. Pensando diferença religiosa no combate ao racismo religioso/Thinking about religious difference in the fight against religious racism. PLURA, Revista de Estudos de Religião/PLURA, Journal for the Study of Religion, v. 11, n. 1, p. 128-143, 2020.

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