Valdenia Guimarães e Silva Menegon
Professora Doutora em História – UNISINOS
Diretora Instituto Valdenia Menegon

 

Vocês sabem o que está rolando nos bastidores da Câmara dos Deputados?

Pois é, precisamos saber o que estão decidindo das nossas vidas. Estamos passando por um processo de modificação do sistema eleitoral e político brasileiro que deve ser votado ainda em agosto e pode ter um efeito nefasto sobre candidaturas de mulheres, negros, indígenas, LBTQIA+ entre outros grupos.

Um dos pontos mais controversos da Reforma é a modificação do próprio sistema eleitoral brasileiro, que deixará de ser “proporcional” para ser “distrital”. Daí, um dos principais chamativos do processo: o “Distritão”, como a reforma ficou conhecida.

O atual sistema eleitoral brasileiro é baseado em modelo majoritário e proporcional, adotado pela Constituição brasileira de 1988. O primeiro, tem por base o fato da candidatura eleita ser aquela que obtém o maior número de votos, valendo para o executivo das três esferas de governo e o senado federal. Já o segundo estrutura-se na lógica da proporcionalidade para a composição das assembleias legislativas e das câmaras municipais, definido pelas regras estabelecidas no Código Eleitoral Brasileiro de 1965.

Agora, precisamos ficar de olhos bem abertos, pois vem aí um duro teste: a votação do “DISTRITÃO”. Este é nome dado à tentativa de, praticamente, acabar com o sistema proporcional que atualmente vigora no Brasil. Através do sistema proporcional, candidaturas são eleitas pela maioria de votos e também pela proporção de cadeiras disponibilizadas para cada partido político.

Este tipo de sistema garante uma maior representatividade de grupos considerados vulneráveis pois, através dele, candidaturas com menor investimento financeiro e visibilidade podem ter sucesso.

Já com o “Distritão”, irá vigorar a eleição de candidaturas mais votadas, o que amplia muito as chances de vitória daqueles que já estão no poder e possuem mais dinheiro, além de já ter uma história política para apresentar. Este tipo de sistema prejudica candidaturas de pessoas que são “neófitas” no campo da política representativa ou que não tem um capital financeiro substancial para investir.

Podem ocorrer, também, retrocessos no controle do processo eleitoral no que se refere à própria justiça eleitoral no campo da inelegibilidade, propaganda eleitoral e na transparência de todo o processo.

Um dos principais anacronismos apontados por especialistas é a ausência de destinação de recursos financeiros para candidaturas de pessoas negras, já que os projetos que estão na pauta atualmente não preveem recursos para estas candidaturas.

Em relação as candidaturas femininas existem três pontos que merecem muita atenção: o primeiro é o próprio Distritão; o segundo é a retirada da penalidade no não uso do fundo partidário para a ampliação da participação feminina na política; o terceiro estabelece como meta de participação das mulheres o status atual, isto é, não prevê uma real ampliação, mas a manutenção da atual situação – péssima, pois fica muito aquém do tamanho da população feminina brasileira.

Nós mulheres representamos 100,5 milhões de habitantes, ou 51,5% da população total do país. Mulheres negras compõem o maior grupo demográfico do país! Já somos mais de 28% da população brasileira, no entanto em termos de representação estamos muito aquém do total da nossa população. Isto demonstra um imenso abismo que separa mulheres negras da política representativa.

A atual proposta colocada na Câmara propõe que, se o número mínimo de candidaturas femininas (30%) não for preenchido, essas vagas podem ser usadas por outras candidaturas. Esta manobra é um retrocesso ao que já foi conquistado anteriormente. Com isso, os partidos políticos não serão mais obrigados a “preencherem” o número de vagas com candidaturas femininas.

Em relação ao uso dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, caso haja mais de 30% de candidaturas femininas, os partidos também não são obrigados a distribuir os valores na mesma proporção.

A reserva de 15% de assentos para mulheres nas Casas Legislativas pode parecer um avanço substancial, mas nós não podemos esquecer que a reserva dessas cadeiras é equivalente ao número de cadeiras já ocupadas por mulheres desde as eleições de 2018. Isto significa que não iremos necessariamente avançar neste quesito, e sim, apenas garantir o número que já existe. Avanço mesmo seria se a propositura fosse maior que o atual quadro. Pelo seu caráter misógino, essa reforma deve ser bem analisada por cada um dos brasileiros e brasileiras.

Na noite de quinta-feira (05 de agosto), um dos principais pontos da dita Reforma foi derrotado: a do voto impresso!!! A aparente vitória virou preocupação a partir da fala do presidente da Casa, Artur Lira, que afirmou colocar a votação em plenário. A atitude de Artur Lira nos aponta um alinhamento ferrenho com o Executivo federal.

Com estes e outros pontos que ainda iremos discutir nos próximos textos, vislumbro um novo golpe se erguendo no universo político brasileiro.

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